CASO 28 – São João da Barra/RJ – Liberdade Religiosa

O que aconteceu: a Portaria SMS n. 009/20, de 15 de junho de 2020, estabeleceu diretrizes para a realização de cultos religiosos.

Onde: São João da Barra, Rio de Janeiro.

Quando: 15 de junho de 2020.

Documentos: Portaria SMS n. 009/20

Parecer da ANAJURE: A Portaria n. 009/20, de 15 de junho de 2020, editada pelo Departamento de Vigilância Sanitária de São João da Barra/RJ, com o fim de regulamentar o Decreto Municipal n. 099/20, estabeleceu algumas diretrizes para a realização de cultos presenciais. Ao fazê-lo, todavia, fixou algumas disposições que ferem a liberdade religiosa e que merecem retificação.

Por exemplo, a Portaria proibiu a santa ceia, a comunhão, as ofertas e os demais atos em que haja compartilhamento de objetos, nos termos do art. 1º, inciso IX (veremos adiante que esta disposição foi revogada!). Além disso, determinou distanciamento mínimo de 2 metros entre os fiéis (art. 1º, inciso III); vetou a realização de cultos e reuniões com mais de 1h de duração (art. 1º, inciso VIII); proibiu a permanência de mais de 3 pessoas no altar (art. 1º, inciso XI); restringiu a apenas 05 pessoas o número daqueles que poderão servir durante as cerimônias (art. 1º, inciso XII); vedou a realização dos cultos infantis (art. 1º, inciso XIV).

Primeiramente, é importante ressaltar que a Constituição da República, no art. 19, inciso I, consagra o princípio da laicidade estatal, dispondo que é vedado: “estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público”.

Além disso, a Carta Magna assegura a inviolabilidade de consciência e de crença, garantindo o livre exercício dos cultos religiosos, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias (art. 5º, VI, CRFB/88).

A regra, portanto, é a realização dos cultos públicos sem restrições impostas pelo poder público. Excepcionalmente, podem ser estabelecidas algumas limitações, por exemplo, quando necessárias à proteção da segurança, da ordem, da saúde pública, da moral pública ou dos direitos das demais pessoas (conforme art. 18, item 3, do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e art. 12, item 3, do Pacto de San José da Costa Rica).

Eventual restrição, no entanto, deve ser a menos gravosa possível, preservando-se o núcleo dos direitos fundamentais. Não foi, todavia, o que ocorreu no presente caso. Em seu texto original, a Portaria proibiu um dos ritos mais importantes do cristianismo: a Santa Ceia. Em documento posterior, a Portaria SMS n. 011/20[1], o dispositivo que trazia essa vedação foi revogado.

Ainda assim, há outras determinações contidas na Portaria 009/20 que representam ingerência significativa sobre aspectos litúrgicos, colidindo, assim, com o direito fundamental à liberdade religiosa e com o princípio da laicidade estatal.

Por exemplo, no art. 1º, inciso III, foi determinado o distanciamento mínimo de 2 metros entre os fiéis. Sobre isso, a Organização Mundial de Saúde (OMS) tem apresentado outro parâmetro: afastamento mínimo de 1 metro entre os presentes[2].

No art. 1º, inciso VIII, a Portaria ordena que os cultos tenham, no máximo, 1h de duração. Ocorre que não se apresenta qualquer embasamento para tal, fundamentação esta que é requerida pela Lei n. 13.979/2020, que traz normas gerais relativas à pandemia. Segundo a referida lei, as medidas restritivas adotadas pelas autoridades públicas somente poderão ser determinadas com base em evidências científicas (art. 3º, § 1º).

Ademais, restou estabelecido que apenas 03 pessoas devem permanecer no altar. Entendemos, no entanto, que seria mais adequado orientar a permanência no altar de acordo com o distanciamento mínimo necessário, e não se utilizando como parâmetro o número de pessoas presentes no local. É preciso considerar, por exemplo, que há igrejas com diferentes dimensões, sendo variável a quantidade de indivíduos comportados no altar em distanciamento seguro.

O ato expedido ainda limitou o número de pessoas que poderão servir durante as cerimônias: apenas 05. Não existe, na Portaria, uma justificativa científica para tamanha restrição, o que demonstra mais uma intervenção indevida na livre celebração de cultos religiosos. Outra ingerência efetuada por meio do documento foi a proibição dos cultos infantis. Quanto a isso, novamente, não houve uma busca por alternativas menos gravosas, o que se poderia realizar, por exemplo, através da fixação de medidas preventivas.

Resta, portanto, evidenciada a incompatibilidade dos termos da Portaria com o ordenamento jurídico pátrio, especialmente diante das limitações que a norma infralegal pretende estabelecer no tocante ao exercício de um direito fundamental assegurado pela Constituição da República.

Ex positis, a ANAJURE se posiciona nos seguintes termos:

  1. Recomenda ao Município de São João da Barra/RJ que altere os termos da Portaria 009/20, de modo a:
    a. Adequar a exigência de distanciamento mínimo aos termos recomendados pela OMS (qual seja: afastamento mínimo de 1 metro entre os fiéis);
    b. Excluir a disposição que limita a duração do culto a 1 hora;
    c. Retirar o dispositivo que estabelece o número máximo de 03 pessoas no altar;
    d. Remover o item que dispõe que apenas 05 pessoas servirão durante os cultos, missas e reuniões; e
    e. Suprimir a proibição ao culto infantil;
  2. Recomenda ao Município que dialogue com as organizações religiosas da cidade para estabelecer, em comum acordo, as medidas preventivas que serão adotadas durante a realização das cerimônias religiosas;
  3. Informa que encaminhará às autoridades municipais ofício com as presentes considerações._______________________________________—

[1] http://www.sjb.rj.gov.br/downloads/diario_oficial/diario_oficial_16062020_1592343548.pdf

[2] https://www.who.int/publications/i/item/practical-considerations-and-recommendations-for-religious-leaders-and-faith-based-communities-in-the-context-of-covid-19

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