CASO 32 – Hugo Napoleão/PI – Liberdade Religiosa e de Locomoção

O que aconteceu: Decreto de Hugo Napoleão/PI restringiu a entrada e saída de veículos no Município, impossibilitando pastora de celebrar os cultos virtualmente.

Onde: Município de Hugo Napoleão, no Piauí.

Quando: Desde 13 de maio de 2020.

Documentos: Decreto Municipal n. 17, de 20 de março de 2020, Decreto Municipal n. 31, de 13 de maio de 2020, Decreto Municipal n. 35, de 02 de junho de 2020 e Decreto Municipal n. 49, de 08 de julho de 2020.

Parecer da ANAJURE: Conforme denúncia recebida, a pastora titular da Igreja do Evangelho Quadrangular na cidade de Hugo Napoleão/PI, Pra. Vânia Alves de Quadros, tem sido impedida de adentrar o município piauiense e, consequentemente, o templo de sua congregação.

Desde meados de março deste ano, a Prefeitura Municipal de Hugo Napoleão vem decretando medidas crescentemente gravosas, limitando as liberdades fundamentais visando ao enfrentamento à atual pandemia de COVID-19.

Em 20 de março de 2020, o Município de Hugo Napoleão fez publicar o Decreto Municipal n. 17/2020. O referido decreto declarou estado de calamidade pública, proibindo a realização de eventos e cultos com mais de 30 pessoas. Em 23 de março de 2020, o Governo do Estado do Piauí publicou o Decreto Estadual n. 18.902, suspendendo todas as atividades e cultos religiosos presenciais por tempo indeterminado (art. 7º, §1º).

Posteriormente, o Decreto Municipal n. 31/2020, publicado em 13 de maio de 2020, impôs toque de recolher das 20 horas às 06 horas (art. 5º), bem como restringiu, por tempo indeterminado, a entrada e saída de veículos no município (art. 4º), permitindo o acesso tão somente de automóveis de moradores e prestadores de serviços considerados essenciais, conforme rol taxativo do artigo 3º.

Estas graves medidas, confirmadas pelo Decreto Municipal n. 35/2020, alcançaram extremo grau de tolhimento das liberdades fundamentais com a edição do Decreto Municipal n. 49/2020, de 08 de julho de 2020. Dispondo medidas a serem adotadas do dia 11 a 13 de julho, o diploma ordenou o fechamento de todos os estabelecimentos comerciais, excetuados aqueles relacionados à saúde, segurança, combustíveis, padarias e entregas (art. 3º, caput e ss.). Também limitou ainda mais os veículos com entrada e saída permitidas[i], conforme seus artigos 5º e 6º:

Art. 5º – Entrada e saída do município:

I – Profissionais de saúde no exercício da função;
II – Trânsito de veículos de urgência e emergência, como: ambulância, veículos com profissionais de saúde e hemodiálise.
III – Profissionais da área de segurança pública (Polícia Militar, Civil, Federal e Exército) no exercício da profissão.
IV – Veículos com pacientes em tratamento de câncer e eventos relacionados a neoplasias malignas, com a devida comprovação do destino e origem.

Parágrafo Único – Todos os veículos com acesso ao município deverão ser higienizados por um profissional de saúde na barreira sanitária com uma solução de hipoclorito de sódio na proporção de 1%.

Art. 6º – Proibida a entrada e saída:

I – Fica vedada a entrada e saída de quaisquer veículos que não se enquadrem nas determinações acima mencionadas.

As estradas foram bloqueadas por barreiras sanitárias, proibindo o acesso de todos aqueles cuja atividade for considerada não essencial, nos termos dos decretos supramencionados. A vedação à entrada e saída de veículos, imposta pelos Decretos Municipais n. 31/2020, 35/2020 e 49/2020, tem impossibilitado a realização das transmissões virtuais dos cultos da Igreja do Evangelho Quadrangular local, posto que a Pra. Vânia de Quadros, domiciliada no município vizinho de Água Branca, tem tido seu acesso à igreja em Hugo Napoleão impedido há quase dois meses. Assim, as gravosas medidas têm negado aos fiéis a celebração do culto religioso e o recebimento de assistência religiosa durante a atual crise sanitária.

Tanto a pastora quanto a assessoria jurídica da Igreja do Evangelho Quadrangular buscaram contatar a Prefeitura acerca da violação à liberdade de culto e de locomoção. Contudo, seus questionamentos não foram acatados pelos gestores municipais, permanecendo a situação sem desfecho favorável.

Diante do relato exposto, algumas considerações jurídicas são necessárias.

Sobre a temática, é importante trazer a lume as disposições constitucionais. Vejamos:

Art. 5º. (…) XV – é livre a locomoção no território nacional em temos de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens.

No contexto da COVID-19, temos visto a implementação de uma série de medidas restritivas, sendo necessário, no entanto, manter o núcleo essencial dos direitos fundamentais. Apesar de limitações temporárias serem possíveis, visto que os direitos e garantias individuais não têm caráter absoluto, o impacto causado pela restrição de tais direitos exige a fixação de parâmetros mínimos, de modo que não haja desproporcionalidade nas medidas adotadas. Esta proporcionalidade não é observada nos decretos municipais em questão.

A Medida Provisória n. 926, de 20 de março de 2020, responsável por alterar a Lei n. 13.979/2020, estabeleceu, dentre as medidas cabíveis para enfrentamento da pandemia de COVID-19, a restrição excepcional e temporária, por rodovias, portos ou aeroportos de locomoção interestadual e intermunicipal, observada recomendação técnica da ANVISA (art. 3, inciso VI, alínea ‘b’, da Lei n. 13.979/2020). Em análise da restrição, na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 6.343, o Supremo Tribunal Federal suspendeu parcialmente, em sede de cautelar, o dispositivo, no tocante à exigência de recomendação técnica da ANVISA. Isso, contudo, não exime os Estados e Municípios da adoção de medidas necessariamente fundamentadas em recomendação técnica do órgão responsável pela vigilância sanitária no respectivo âmbito.

Ocorre que os Decretos Municipais n. 31/2020, 35/2020 e 49/2020, do Município de Hugo Napoleão, não fazem menção a nenhuma recomendação de ordem sanitária, carecendo, portanto, de base técnica.

De igual modo, sobressai a ausência de prazo para a aplicação das medidas de restrição à liberdade de locomoção. A supressão de direitos fundamentais por tempo indeterminado constitui medida demasiadamente gravosa contra as garantias constitucionais. Deste modo, tal medida deve sempre respeitar a limitação da temporalidade, visando a manutenção das liberdades individuais e públicas e da segurança jurídica.

Por fim, ao injustificadamente impedir a livre locomoção de uma ministra religiosa para a realização virtual dos cultos, atenta o Município de Hugo Napoleão contra a liberdade religiosa e de culto (art. 5º, VI, CF/88). Tal violação é agravada pela reiterada recusa dos gestores municipais a possibilitar o acesso da pastora, mesmo após repetidos contatos.

Pelo exposto, a ANAJURE recomendará ao Município de Hugo Napoleão, via ofício, que (1) adote medidas imediatas para possibilitar o acesso da Pra. Vânia Alves de Quadros ao município, de modo a cessar a violação às suas liberdades de locomoção e de culto; (II) remova as restrições à locomoção no território do município, visto que, como demonstrado, os Decretos Municipais n. 31/2020, 35/2020 e 49/2020, do Município de Hugo Napoleão/PI, carecem de fundamentação técnica e restringem indevidamente direitos fundamentais, como a liberdade de locomoção e a liberdade religiosa; (III) caso persista na imposição de limitações ao direito de deslocamento, exclua os ministros religiosos de tais restrições, a fim de permitir a locomoção para o exercício das atividades religiosas, albergadas pelo texto constitucional.

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