Nota Pública sobre o Projeto de Lei nº 2630/2020 (Lei das Fake News)

O Conselho Diretivo Nacional da Associação Nacional de Juristas Evangélicos – ANAJURE –, no uso das suas atribuições, emite à sociedade brasileira a presente Nota Pública sobre o Projeto de Lei nº 2630/2020, que institui a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, popularmente denominada “Lei das Fake News”.

I – Síntese fática

Em 25 de abril de 2023, foi aprovada em sessão plenária da Câmara dos Deputados a tramitação em regime de urgência do Projeto de Lei nº 2.630, de 2020, que institui a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, popularmente denominada “Lei das Fake News”.

O PL, proposto pelo Senador Alessandro Vieira em maio de 2020, visa disciplinar regras de transparência para provedores de redes sociais e de serviços de mensageria instantânea, tendo como seu objetivo autodeclarado a defesa da liberdade de expressão e transparência no ambiente virtual e o fortalecimento do processo democrático por meio do combate ao comportamento inautêntico e do fomento ao acesso à diversidade de informações na internet.

Desde sua aprovação pelo Senado Federal e o subsequente envio à Câmara dos Deputados em 03 de julho de 2020 até a presente data, o projeto foi objeto de cerca de 40 propostas de emendas, bem como tramita apensado a aproximadamente 90 projetos de lei correlatos.

Em sessão da Câmara dos Deputados no dia 25 de abril de 2023, o projeto teve sua tramitação em regime de urgência aprovada, de modo a apressar sua apreciação através da dispensa de exigências regimentais.

Em 27 de abril de 2022, às 22h, o relator do projeto, Dep. Fed. Orlando Silva (PCdoB/SP) apresentou o parecer preliminar da relatoria, bem como última versão do texto proposto através de novo substitutivo[1].

Referido projeto tem sido objeto de amplo debate pela sociedade civil e as instituições. Especial atenção tem sido dedicada ao potencial da nova lei para alterar o panorama das plataformas virtuais que, neste século, constituem-se verdadeiras praças públicas. Enquanto seus defensores sustentam sua necessidade para sanear a esfera virtual da propagação mal-intencionada de notícias falsas, seus críticos apontam o risco de que as disposições normativas sejam instrumentalizadas em prol de censura política e social.

Considerando relevância das disposições e a como a expectativa da apreciação pelo plenário da Câmara dos Deputados ainda no dia 2 de maio de 2023 (terça-feira)[2], a ANAJURE, firmada em seu compromisso com as liberdades civis fundamentais, emite a presente nota pública para apresentar à sociedade civil e aos representantes públicos suas considerações sobre a matéria.

II – O direito fundamental à liberdade de expressão

O direito à livre expressão constitui-se como um dos principais alicerces do Estado Democrático de Direito. Sendo uma das mais antigas reivindicações humanas, a liberdade de expressão é radicada tanto na experiência histórica dos povos como na própria estrutura do ser humano.

Conforme apresentam Gilmar Mendes e Paulo Gonet Branco[3], a partir da obra de Pablo Salvador Coderch[4], a necessidade da garantia da liberdade de expressão pode ser justificada através de múltiplas perspectivas. Em consonância com sua gênese histórica nas revoluções liberais, a garantia surge como direito defensivo, viabilizando a crítica aos governantes, sendo uma ferramenta para o controle político do Estado. Adentrando reflexões mais profundas acerca do caráter relacional do ser humano, a garantia da liberdade de expressão surge como ferramenta necessária à efetivação da dignidade humana, onde, no encontro com o próximo, possibilita-se o florescimento do indivíduo e da sociedade através da realização da fundamental socialidade do homem.

Essa dimensão social e dialógica, por sua vez, atinge sua concretude política no regime democrático, conquista recente de nossa nação, onde a livre manifestação do pensamento é condição sine qua non para seu funcionamento e preservação através da proteção ao pluralismo de opiniões. Como manifestou o Min. Luís Roberto Barroso, em sede da Rcl. 22.328/RJ: “A liberdade de expressão desfruta de uma posição preferencial no Estado democrático brasileiro, por ser uma pré-condição para o exercício esclarecido dos demais direitos e liberdades”.

A liberdade de expressão é amplamente protegida no âmbito internacional e nacional. A Declaração Universal dos Direitos Humanos dispõe em seu art. 19 que: “todo homem tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferências, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e idéias por quaisquer meios, independentemente de fronteiras”. De modo semelhante, dispõem o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos – PIDCP (art. 19) e a Convenção Americana de Direitos Humanos (art. 13). A Constituição Federal de 1988 fixa que “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato” (art. 5º, inciso IV).

A exemplo dos outros direitos fundamentais, no entanto, a liberdade de expressão não é absoluta, podendo ser limitada pela lei quando necessário ao respeito dos direitos e da reputação das demais pessoas, à proteção da segurança nacional, da ordem, da saúde e da moral pública (art. 19, item 3, do PIDCP e art. 13, item 2, CADH).

No âmbito da literatura jurídica, José Afonso da Silva[5] explica que a liberdade de pensamento envolve o contato do indivíduo com os seus semelhantes, de forma que, nesse diálogo, exteriorize as suas concepções intelectuais. Sarlet[6] desenvolve a ideia de que protegê-la significa defender, também, a dignidade da pessoa humana, sobretudo no que se refere à autonomia do indivíduo, bem como a própria democracia, visto que a liberdade de expressão é uma condição imprescindível para a existência do pluralismo político.

Um dos desdobramentos da proteção a esse direito é que “não se pode impor a ninguém uma conduta ou obrigação que conflite com sua crença religiosa ou com sua convicção filosófica ou política”[7]. Outra decorrência da liberdade de expressão é a tutela da comunicação. Segundo Silva[8], as formas de comunicação possuem os seguintes princípios como norte:

(a) observado o disposto na Constituição, não sofrerão qualquer restrição que seja o processo ou veículo por que se exprimam; (b) nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística; (c) é vedada toda e qualquer forma de censura de natureza política, ideológica e artística; (d) a publicação de veículo impresso de comunicação independe de licença de autoridade; (…)

Nesse sentido, é possível falar também de uma “liberdade de informação jornalística”, que “alcança qualquer forma de difusão de notícias, comentários e opiniões por qualquer veículo de comunicação”. Especificamente a esse respeito, a Constituição Federal dispõe:

Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.

§ 1º Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.

Cumpre destacar que o rol das disposições constitucionais elencadas no Art. 220, §1 que podem mitigar o exercício da liberdade de imprensa são a vedação do anonimato (inciso IV); direito de resposta (inciso V); direito a indenização por dano material ou moral à intimidade, à vida privada, à honra e imagem das pessoas (inciso X); livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer (inciso XIII); direito ao resguardo do sigilo da fonte de informação, quando necessário ao exercício profissional (inciso XIV).

Deve-se, contudo, observar que a mitigação da liberdade nas hipóteses legais não pode ser extrapolada ao ponto de representar indevida censura prévia. Como ensina o Min. Alexandre de Moraes:

“A liberdade de expressão e de manifestação de pensamento não pode sofrer nenhum tipo de limitação prévia, no tocante a censura de natureza política, ideológica e artística. (…) A censura prévia significa o controle, o exame, a necessidade de permissão a que se submete, previamente e com caráter vinculativo, qualquer texto ou programa que pretende ser exibido ao público em geral. O caráter preventivo e vinculante é o traço marcante da censura prévia, sendo a restrição à livre manifestação de pensamento sua finalidade antidemocrática, pois, como salientado pelo Ministro Celso de Mello, ‘a liberdade de expressão é condição inerente e indispensável à caracterização e preservação das sociedades livres e organizadas sob a égide dos princípios estruturadores do regime democrático’”. [9]

Na esteira desses fundamentos, o Supremo Tribunal Federal, na ocasião do julgamento da ADPF 130[10] sobre a não recepção da Lei de Imprensa pela Constituição Federal de 1988 por manifesta incompatibilidade material, tratou profundamente sobre a liberdade de expressão e de imprensa:

Direito Constitucional. Agravo regimental em reclamação. Liberdade de expressão. Decisão judicial que determinou a retirada de matéria jornalística de sítio eletrônico. Afronta ao julgado na ADPF 130. Procedência.

  1. O Supremo Tribunal Federal tem sido mais flexível na admissão de reclamação em matéria de liberdade de expressão, em razão da persistente vulneração desse direito na cultura brasileira, inclusive por via judicial.
  2. No julgamento da ADPF 130, o STF proibiu enfaticamente a censura de publicações jornalísticas, bem como tornou excepcional qualquer tipo de intervenção estatal na divulgação de notícias e de opiniões.
  3. A liberdade de expressão desfruta de uma posição preferencial no Estado democrático brasileiro, por ser uma pré-condição para o exercício esclarecido dos demais direitos e liberdades.
  4. Eventual uso abusivo da liberdade de expressão deve ser reparado, preferencialmente, por meio de retificação, direito de resposta ou indenização. Ao determinar a retirada de matéria jornalística de sítio eletrônico de meio de comunicação, a decisão reclamada violou essa orientação.
  5. Reclamação julgada procedente.

“o Poder Público somente pode dispor sobre matérias lateral ou reflexamente de imprensa, respeitada sempre a ideia-força de que quem quer que seja tem o direito de dizer o que quer que seja. Logo, não cabe ao Estado, por qualquer dos seus órgãos, definir previamente o que pode ou o que não pode ser dito por indivíduos e jornalistas.”

Assim, frente a tal panorama normativo de robusta proteção à liberdade de expressão, manifestação do pensamento e de informação jornalística, cumpre que se analise a problemática presente no Projeto de Lei nº 2630/2020.

III – Do teor do Projeto de Lei nº 2630/2020.

A análise do Projeto de Lei nº 2630/2020 se debruçará especialmente sobre a temática da garantia da liberdade de expressão, tendo como objeto o substitutivo apresentado pelo relator do projeto, Dep. Fed. Orlando Silva (PCdoB/SP), em 27 de abril de 2023[11], traçando paralelos com as demais versões texto anteriormente propostas. Assim, não são apreciadas questões técnicas quanto ao funcionamento das relações entre os provedores, plataformas e produtores de conteúdo, proteção de dados pessoais, e demais temas que transcendam o escopo estabelecido.

Em atenção às demandas de parlamentares e cidadãos, que manifestaram profunda preocupação com diversas disposições que poderiam ameaçar o direito fundamental à livre manifestação, a nova redação proposta pelo relator apresentou diversas melhorias em relação aos textos anteriores.

A nova redação retirou as disposições do projeto original que traziam restrições ao uso de contas “inautênticas” e ao uso de pseudônimos, e que resultavam na necessidade de ampla verificação de identidade dos usuários e a indevida formação de bancos de dados pessoais. De igual modo, foram suprimidas as disposições anteriores (art. 10º da proposta do Senado) que previam o arquivamento preventivo de registros mensagens compartilhadas de forma massificada, que geravam riscos à segurança das comunicações, bem como elevavam o espectro de um cenário de vigilância massificada.

É igualmente bem-vinda a inclusão de disposições que resguardam as garantias fundamentais à liberdade de expressão, de religião (art. 1º, parágrafo único, e art. 3º, III) e à livre manifestação do pensamento (art. 3º, IV; art. 8º, §1º; art. 17, caput e parágrafo único; art. 22, I; art. 24, II e V), de modo a promover o pluralismo e imparcialidade valorativa no funcionamento das plataformas. Tais garantias são também resguardados pelo art. 37, que veda a imposição de quaisquer sanções a servidores públicos por manifestações lícitas em plataformas virtuais privadas:

Art. 37. Constitui ato ilícito, punível penal e administrativamente, qualquer punição disciplinar ou ato praticado por superior hierárquico que cause prejuízo a servidor público civil em função de conteúdo lícito por ele compartilhado em caráter privado, fora do exercício de suas funções.

Foi suprimida, ainda, a disposição do art. 12, §2º da proposta original, que determinava a dispensa da necessidade de notificação aos usuários acerca da remoção de conteúdos e contas em determinadas hipóteses. Referida disposição reduzia a salvaguarda à liberdade de expressão, contrariando princípios de transparência das plataformas para com os usuários, bem como obstaculizando a possibilidade de contestação das medidas adotadas pelos provedores.

Ao invés de demandar a retirada e a vedação de conteúdos e contas específicas, como constante da proposta original (arts. 6º e 12), o novo substitutivo se limita a determinar que os provedores e plataformas previnam e mitiguem a disseminação de conteúdos ilegais nas plataformas, como constante de seu art. 11, cujas medidas adotadas serão apuradas pelos relatórios elaborados:

Art. 11. Os provedores devem atuar diligentemente para prevenir e mitigar práticas ilícitas no âmbito de seus serviços, envidando esforços para aprimorar o combate à disseminação de conteúdos ilegais gerados por terceiros, que possam configurar:

I – crimes contra o Estado Democrático de Direito, tipificados no Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940;

II – atos de terrorismo e preparatórios de terrorismo, tipificados pela Lei nº 13.260, de 16 de março de 2016;

III – crime de induzimento, instigação ou auxílio a suicídio ou a automutilação, tipificado no Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940;

IV – crimes contra crianças e adolescentes previstos na Lei nº 8.069, de 13 de julho 1990, e de incitação à prática de crimes contra crianças e adolescentes ou apologia de fato criminoso ou autor de crimes contra crianças e adolescentes, tipificados no Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940;

V – crime de racismo de que trata o art. 20, 20-A, 20-B e 20-C da Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989;

VI – violência contra a mulher, inclusive os crimes dispostos na Lei nº 14.192, de 4 de agosto de 2021; e

VII – infração sanitária, por deixar de executar, dificultar ou opor-se à execução de medidas sanitárias quando sob situação de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional, de que trata o art. 10 da Lei nº 6.437, de 20 de agosto de 1977.

§ 1º A avaliação do cumprimento do disposto no caput será feita tendo em vista: I – as informações eventualmente prestadas em atendimento ao art. 9º;

II – a avaliação dos relatórios:

a) de avaliação de risco sistêmico, de que trata o art. 10; e
b) de transparência, de que trata o art. 23;

III – o tratamento dado ao recebimento de notificações e reclamações.

§ 2º A avaliação será realizada sempre sobre o conjunto de esforços e medidas adotadas pelos provedores, não cabendo avaliação sobre casos isolados.

A delimitação gera questionamentos quanto à capacidade dos provedores adequadamente apreciarem a legalidade e tipicidade das condutas moderadas, visto que a avaliação jurídica foge ao escopo técnico usual das plataformas. Contudo, a nova proposta submete a atividade de moderação, já existente atualmente na maioria das plataformas, ao atendimento da defesa e contraditório do usuário, que poderá contestar a decisão devidamente motivada e informada do provedor, conforme constante do Capítulo III do novo substitutivo, bem como não impede o controle judicial da atividade.

Não obstante, apesar das diversas alterações que aprimoraram a proposta de texto normativo, a redação do novo substitutivo ainda levanta questionamentos quanto a possíveis riscos à liberdade de expressão e das comunicações.

Redações anteriores previam a constituição de uma “entidade autônoma de supervisão”, órgão regulador vinculado ao executivo federal com poderes para regulamentar dispositivos do projeto, fiscalizar o cumprimento das normas vigentes, instaurar processos administrativos e aplicar sanções em caso de descumprimento das obrigações. Essas disposições geraram fundados receios quanto ao grave risco de que tal entidade exercesse poderes abusivos de censura sobre as plataformas virtuais, tolhendo a livre manifestação dos usuários e restringindo o debate democrático cidadão.

O novo substitutivo acerta ao suprimir referidas disposições, retirando a hipótese de constituição de tal entidade, bem como do exercício administrativo das diversas competências citadas. Observa-se, contudo, que tal supressão resultou, em diversos momentos do texto proposto, em redação aberta que deixa de estabelecer adequadamente a entidade competente para o exercício das medidas de regulamentação e fiscalização instituídas.

Um dos casos graves de tal vício surge, a título de exemplo, no art. 12 do substitutivo:

Art. 12. Quando configurada a iminência de riscos descritos no art. 7º, ou a negligência ou insuficiência da ação do provedor, poderá ser instaurado, na forma da regulamentação e por decisão fundamentada, protocolo de segurança pelo prazo de até 30 (trinta) dias, sem prejuízo de outras medidas legais cabíveis, procedimento de natureza administrativa cujas etapas e objetivos deverão ser objeto de regulamentação.

Ao estabelecer o mecanismo do “protocolo de segurança”, o texto normativo deixa de indicar tanto o órgão competente pela regulamentação do procedimento como aquele responsável pela instauração, fiscalização da medida e eventual aplicação das sanções. Tampouco estabelece qualquer espécie de composição representativa dos diversos poderes e da sociedade civil em eventual entidade administrativa que venha exercer tais funções.

A omissão apontada termina por afastar a deliberação sobre o exercício administrativo destas medidas do poder legislativo, locus privilegiado do debate democrático, concedendo ao executivo federal maior grau de discricionariedade para a regulamentação da norma. Ao fazê-lo, retornam ao projeto os riscos de restrição à liberdade de expressão e do debate democrático por parte de instâncias administrativas vinculadas ao Poder Executivo através do abuso dos mecanismos estabelecidos pelo projeto.

Além da omissão acima apontada, cumpre tecer considerações quanto ao novo tipo penal proposto pelo art. 50 do substitutivo:

Art. 50. Promover ou financiar, pessoalmente ou por meio de terceiros, mediante uso de conta automatizada e outros meios ou expedientes não fornecidos diretamente pelo provedor de aplicações de internet, divulgação em massa de mensagens que contenha fato que sabe inverídico, que seja capaz de comprometer a higidez do processo eleitoral ou que possa causar dano à integridade física e seja passível de sanção criminal.

Pena: reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos e multa.

A tipificação da conduta estabelecida inclui caracterizações possivelmente questionáveis. Em especial, observa-se que a caracterização de “fato que se sabe inverídico” envolve o juízo tanto acerca da veracidade das mensagens como acerca do prévio conhecimento dos agentes. É problemático, ainda, o juízo acerca da mera possibilidade de que determinada mensagem cause dano à integridade física de um sujeito, visto que termina por estabelecer um crime fundado não no risco natural (como nos crimes relacionados a explosivos), mas em um juízo de risco de manipulação do comportamento humano por mensagens eletrônicas, de caráter profundamente imprevisível e subjetivo. Ainda, deve-se apontar a existência de ambiguidade na redação proposta.

Considerando a breve análise preliminar exposta, conclui-se que, apesar dos progressos trazidos pelo novo substitutivo, ainda se observam na redação proposta diversas disposições contrárias à garantia da liberdade de expressão e manifestação nos espaços virtuais abrangidos pelo projeto de lei.

Ainda, cumpre recordar a brevidade do intervalo entre a apresentação do novo texto para o projeto (27/04/2023, 22h) e a expectativa de sua apreciação e votação pela Câmara dos Deputados (02/04/2023). A complexidade da matéria demanda uma salutar dilação de sua apreciação pelos congressistas, de modo a possibilitar sua devida análise tanto pelos representantes do povo como pela sociedade civil através do debate público, cerne da Democracia.

III – Conclusão

Pelo exposto, a ANAJURE reafirma seu compromisso contra qualquer proposta que vise tolher ou abolir a garantia democrática da liberdade de expressão e manifestação do pensamento, inscrita na Constituição da República nos arts. 5º, IX, e 220. Assim, a ANAJURE se manifesta pelo adiamento da votação do Projeto de Lei nº 2630/2020, para que sua grave matéria possa ser objeto de amplo debate público e democrático, de modo a verificar e rejeitar quaisquer disposições que possam vir a reduzir ou suprimir as liberdades cidadãs que são garantias fundamentais do Estado Democrático de Direito.

Brasília-DF, 1º de maio de 2023.

Dra. Edna V. Zilli
Presidente

Dr. Matheus Carvalho Dias
Diretor Executivo

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[1] O último relatório e o substitutivo, apresentados em 28/04/2023, podem ser acessados no seguinte link: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=2265334

[2] Conforme informação da Câmara dos Deputados: https://www.camara.leg.br/noticias/955642-projeto-das-fake-news-tem-urgencia-aprovada-e-ira-a-voto-na-proxima-terca

[3] MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gonet. Curso de direito constitucional. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 234-235.

[4] CODERCH, Pablo Salvador. El derecho de la libertad, Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1993.

[5] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros Editores, 2014.

[6] SARLET, Ingo Wolfgang. Direitos fundamentais em espécie. In: SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de Direito Constitucional. 7. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018.

[7] SILVA, op. cit.

[8] SILVA, op. cit.

[9] MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 33. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2017, p. 56-57.

[10] Rcl 28747 AgR, Primeira Turma, Relator: Min. ALEXANDRE DE MORAES, Relator p/ Acórdão: Min. LUIZ FUX, julgado em 05/06/2018. Disponível em: https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=605411

[11] O último relatório e o substitutivo, apresentados em 28/04/2023, podem ser acessados no seguinte link: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=2265334