OBSERVATÓRIO l CASO 58: Palmeiras de Goiás/GO – Liberdade Religiosa e de Culto

O que aconteceu: A Prefeitura de Palmeiras de Goiás/GO, por meio do Decreto Municipal nº 255, restringiu a realização das atividades religiosas a determinados dias da semana e horários.

Onde: Palmeiras de Goiás/GO.

Quando: 13 de abril de 2021.

Documentos: Decreto n. 255/2021, Lista de Decretos do Município

Parecer da ANAJURE: No dia 13 de abril de 2021, foi disponibilizado o Decreto n. 255, do Município de Palmeiras de Goiás, com novas medidas restritivas em relação às atividades sociais, econômicas e religiosas para fins de combate da pandemia do coronavírus.

O artigo 2º, inciso XVII do Decreto indicado trouxe a seguinte redação:

“XVII – Os cultos, missas, celebrações e reuniões coletivas das organizações religiosas ficam autorizados a ocorrer somente na terça-feira e quarta-feira até as 22:00hs e domingo somente até as 14:00hs, com intervalo mínimo de 2 horas de cada cerimônia religiosa para higienização do ambiente, desde que obedecidos os protocolos estabelecidos pela Secretaria Municipal de Saúde, com a redução de 30% (trinta por cento) de sua capacidade de pessoas sentadas.” (grifamos).

Dessa forma, tais atividades ficam restringidas a ocorrerem em dias e horários impostos, quais sejam, terças e quartas-feiras até as 22:00hs e domingos até as 14:00hs, restando inviabilizada a realização dessas cerimônias em momentos tradicionais a muitas religiões.

Importa realçar, inicialmente, as disposições constitucionais que resguardam o funcionamento das instituições religiosas. Nos termos do artigo 5º, inciso VI, CRFB/88, “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”. O art. 19, inciso I, da CRFB/88, veda aos entes federativos o estabelecimento, subvenção e embaraço de culto religioso, bem como manutenção de relações de dependência com instituições eclesiásticas. No âmbito internacional, a proteção à liberdade religiosa está prevista em diplomas como a Declaração Universal de Direitos Humanos (artigo 18), o Pacto dos Direitos Civis e Políticos (artigo 18) e o Pacto de San José da Costa Rica (artigo 12).

Diante disso, é notório que o nosso ordenamento jurídico dispõe de amplos dispositivos legais que visam a proteção às manifestações de religiosidade, assegurando a realização de cerimônias religiosas e afastando ingerências estatais. No caso da Cidade de Palmeiras de Goiás, o óbice imposto pelo Decreto refere-se aos dias de realização das celebrações religiosas, bem como aos horários, que foram expressamente indicados.

Quanto a isso, necessário salientar que as confissões religiosas possuem dias específicos em que seus adeptos se reúnem para executar suas cerimônias, motivados por convicções de fé. A Igreja Adventista do Sétimo Dia, por exemplo, reconhecendo a observância do sábado como sinal distintivo de lealdade a Deus, destaca a precedência que as atividades regulares na igreja possuem, nesse dia, perante outras tarefas realizadas. Já no Judaísmo, a observância do Shabat confere proeminência ao período compreendido entre o pôr do sol de sexta e do sábado, numa alusão ao descanso divido após a criação do mundo. Ainda a título exemplificativo, cabe trazer à baila que, no cristianismo, o domingo é tido como o Dia do Senhor, por decorrência da ressurreição de Cristo, ocorrida nesse dia da semana, motivo pelo qual, nesse dia, diversos cristãos de todo o mundo se reúnem para celebrar o acontecimento que alicerça a fé cristã.

Ora, diante do acima demonstrado, extrai-se que há razões de crença e consciência diretamente ligadas ao dia de celebração de cada religião, não sendo possível que a prática da cerimônia em momento alternativo se equipare à execução no dia religiosamente designado.

Portanto, entendemos que o Decreto nº 255 extrapola a razoabilidade e fere as disposições constitucionais referentes à liberdade religiosa e à laicidade estatal quando limita a realização dos cultos a determinados dias e horários da semana. Ressalte-se que a liberdade religiosa protege a auto-organização das igrejas e suas liturgias, não cabendo ao Estado determinar em quais momentos as igrejas poderão realizar as suas cerimônias. Para a finalidade de prevenção ao contágio, é possível que as autoridades públicas fixem critérios objetivos, como o distanciamento e a taxa de ocupação nos templos.

Não cabe ao Governo, no entanto, determinar questões como o dia e horários de realizações de cerimônias religiosas, especialmente porque, observadas as medidas de prevenção, não haveria maior risco de contágio em um dia ou em outro, nem em um horário ou em outro. Para os indivíduos religiosos, porém, a observância de um dia específico da semana para realização dos cultos é essencial, um dever de consciência. Nessa linha, a regulamentação trazida pelo Decreto nº 9.848, de 13 de abril de 2021, do Estado de Goiás, parece-nos mais adequada, uma vez que ao fixar determinadas cautelas, como a taxa de ocupação, não interfere no dia e horário das cerimônias religiosas, vide §14 do artigo 5º¹.

Pelo exposto, a ANAJURE (1) comunica que oficiará o Município de Palmeiras de Goiás/GO, propondo a modificação do Decreto expedido, de modo que fique a cargo das instituições religiosas decidir, conforme seus preceitos de fé, em qual dia se reunirão, respeitadas as medidas sanitárias indicadas à prevenção do coronavírus; (2) segue recomendando, por fim, prudência e cautela aos líderes religiosos, de forma que haja cuidadosa observância das medidas de prevenção à Covid-19 nas instituições eclesiásticas.

ATUALIZAÇÃO:

Na tarde desta terça-feira (20), a equipe do Observatório ANAJURE das liberdades Civis Fundamentais recebeu a informação de que a Prefeitura de Palmeiras de Goiás emitiu um novo Decreto Municipal. Desta feita, com horário menos restrito.
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pós a mudança promovida pelo Executivo Municipal, ainda restou um limite de realização de cerimônias religiosas em, no máximo, três dias por semana, algo que nos parece uma ingerência. Por outro lado, a ampliação dos horários em que as atividades religiosas poderão ocorrer representa um avanço significativo, razão pela qual agradecemos a colaboração da prefeitura.

A partir de agora, segundo o artigo XVI do documento: ” Os cultos, missas, celebrações e reuniões coletivas das organizações religiosas ficam autorizados a ocorrer 03 (três) vezes por semana, desde que findadas até as 22:00 hs, com intervalo mínimo de 2 horas de cada cerimônia para higienização do ambiente, sendo obedecidos os protocolos estabelecidos pela Secretaria Municipal de Saúde, com a redução de 30% (trinta por cento) de sua capacidade de pessoas sentadas”.

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¹§ 14. As atividades presenciais de organizações religiosas observarão a lotação máxima de 30% (trinta por cento) das pessoas sentadas, além dos protocolos de biossegurança estabelecidos pela Secretaria de Estado da Saúde e disponibilizados na página eletrônica www.saude.go.gov.br/coronavirus (protocolos de funcionamento de atividades). Disponível em: https://legisla.casacivil.go.gov.br/pesquisa_legislacao/103937/decreto-9848