CASO 14 – Rio Grande do Norte – Liberdade de manifestação e liberdade religiosa

O que aconteceu: Decreto do Estado do Rio Grande do Norte estabeleceu restrições à liberdade de manifestação e à liberdade religiosa.

Onde: Rio Grande do Norte.

Quando: 22 de abril de 2020.

Provas: Texto do Decreto e notícia.

Decreto n. 29.634, de 22 abril de 2020[1].

Notícia Tribuna do Norte[2].

Status: Providências encaminhadas.

PARECER DA ANAJURE:

O Decreto n. 29.634, de 22 de abril de 2020, do Estado do Rio Grande do Norte, modificou o texto do Decreto Estadual n. 29.583, de 1º de abril de 2020, para dispor:

“Art. 11. Estão suspensas as atividades coletivas de qualquer natureza, públicas ou privadas, incluindo eventos de massa, shows, atividades desportivas, feiras, exposições, reuniões de pessoas ou de pessoas em seus veículos, como carreatas e congêneres”.

É consenso, para as autoridades da área da saúde, que as aglomerações devem ser evitadas durante a pandemia do coronavírus[3]. Por isso, grandes ajuntamentos, como os ocorridos em partidas de futebol e em shows, estão suspensos.

No entanto, a proporcionalidade deve ser observada. O Decreto do RN suspendeu não somente as grandes aglomerações como, também, as manifestações populares exercidas no formato de carreatas. A permanência das pessoas, isoladas em seus carros, não representa um risco de proliferação do coronavírus. Ainda assim, o Decreto restringiu tal possibilidade, o que impacta as disposições constitucionais sobre a liberdade de manifestação do pensamento (art. 5º, IV[4], CF/88) e a liberdade de reunião (art. 5º, XVI[5], CF/88), considerando que as carreatas são, frequentemente, utilizadas como mecanismo de expressão popular.

Ressalte-se que os direitos constitucionais acima mencionados representam relevantes ferramentas para a democracia, visto que, por tais instrumentos, a população exprime as suas ideias, reagindo, positiva ou negativamente, a medidas governamentais e a outros ocorridos. Compreende-se que o contexto de pandemia traz restrições, não sendo recomendável, todavia, que gere o suplantamento de direitos. No presente caso, além da ofensa aos referidos direitos fundamentais retrocitados, identificamos, também, dano ao pluralismo político (art. 1º, inciso V, CF/88).

Ademais, o Decreto, ao mencionar genericamente “as reuniões de pessoas em seus veículos”, também buscou restringir a realização de missas em drive-thru. Foi o que explicou o Vice-Governador do Estado, Antenor Roberto, em entrevista à Tribuna do Norte:

“Não dá para falar em evitar aglomeração pública e permitir que esse tipo de manifestação ocorra, assim como qualquer outra manifestação que tenha aglomerações”, afirmou o vice-governador. Ele negou que haja uma motivação política. “Não entro no mérito político da investigação, mas na questão da saúde pública. As regras vão ser endurecidas também para outros tipos de aglomerações da mesma natureza, como as missas em drive-thru, como ocorreu alguns dias atrás[6]. (Grifo nosso).

O Vice-Governador possivelmente se referiu à missa realizada, no dia 19/04, pela pastoral de Nossa Senhora dos Impossíveis, no estacionamento da Arena das Dunas. Na ocasião, os fiéis permaneceram em seus carros, mantendo distância entre os veículos. Não foi permitido que as pessoas saíssem do interior dos seus automóveis[7].

Notamos, portanto, que a disposição também atingiu, desproporcionalmente, o direito fundamental à liberdade religiosa (art. 5º, VI[8], CF/88), uma vez que expedida com o objetivo de impedir a realização de missas e cultos na modalidade drive-in, a despeito do formato permitir que as pessoas permaneçam isoladas.

Em outros locais, a exemplo do Distrito Federal, o Governo tem permitido a realização de celebrações religiosas na modalidade drive-in, desde que observadas as medidas de proteção, como o distanciamento mínimo entre os veículos e a permanência das pessoas nos automóveis (Decreto n. 40.659, de 24 de abril de 2020, do Distrito Federal). Tais iniciativas dialogam melhor com o exercício da liberdade religiosa em meio às limitações que a pandemia impõe.

Ex positis, a ANAJURE (i) entende que o Decreto n. 29.634/2020, do Estado do Rio Grande do Norte, restringiu desproporcionalmente os direitos fundamentais à livre manifestação de pensamento, à reunião e à liberdade religiosa, merecendo alteração; (ii) e comunica que oficiou o Governo do RN sobre o referido Decreto.

______________________

[1] http://webdisk.diariooficial.rn.gov.br/Jornal/12020-04-23.pdf

[2] http://www.tribunadonorte.com.br/noticia/novo-decreto-vai-flexibilizar-servia-os-e-endurecer-regras-de-aglomeraa-a-es/478081

[3] https://www.saude.gov.br/noticias/agencia-saude/46540-saude-anuncia-orientacoes-para-evitar-a-disseminacao-do-coronavirus

[4] IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;

[5] XVI – todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente;

[6] http://www.tribunadonorte.com.br/noticia/novo-decreto-vai-flexibilizar-servia-os-e-endurecer-regras-de-aglomeraa-a-es/478081

[7] https://agorarn.com.br/cidades/patio-da-arena-das-dunas-tem-mais-de-2-horas-de-oracoes-no-estilo-drive-in-veja-video/

[8] VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;

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