O que aconteceu: Decretos do Estado da Bahia regulam a liberdade de locomoção no Município de Jequié/BA violando o referido direito.
Onde: Jequié, Bahia.
Quando: 13 de maio de 2020.
Documentos: Decreto Estadual n. 19.691/2020, Decreto Estadual n. 19.716/2020 e Decreto Estadual n. 19.730/2020
Parecer da ANAJURE: O Decreto Estadual nº 19.691, de 13 de maio de 2020, dispôs:
Art. 1º Fica determinada a restrição de locomoção noturna, vedados a qualquer indivíduo a permanência e o trânsito em vias, equipamentos, locais e praças públicas, das 20h às 05h, até 23 de maio de 2020, no Município de Jequié, em conformidade com as condições estabelecidas no respectivo Decreto Municipal.
Decretos posteriores modificaram a redação acima, elevando a duração da restrição e estendendo, também, a sua vigência. Vejamos:
Decreto Estadual n. 19.716/2020
“Art. 1º-Fica determinada a restrição de locomoção noturna, vedados a qualquer indivíduo a permanência e o trânsito em vias, equipamentos, locais e praças públicas, das 18h às 05h, até 30 de maio de 2020, no Município de Jequié, em conformidade com as condições estabelecidas no respectivo Decreto Municipal.”
Decreto Estadual n. 19.730/2020.
Fica determinada a restrição de locomoção noturna, vedados a qualquer indivíduo a permanência e o trânsito em vias, equipamentos, locais e praças públicas, das 17h às 05h, até 07 de junho de 2020, no Município de Jequié, em conformidade com as condições estabelecidas no respectivo Decreto Municipal.
Verifica-se, pois, que os Decretos do Estado da Bahia restringiram a liberdade de locomoção, durante o período noturno no município de Jequié, sob o argumento de evitar a propagação do coronavírus.
Quanto a isso, saliente-se que o direito de ir e vir está expresso no texto constitucional, conforme se extrai da leitura do artigo 5º, inciso XV, da Carta Magna. A liberdade de locomoção é assegurada no território nacional, com exceção de tempos de guerra, a teor do referido dispositivo, e em casos de estado de sítio e de defesa, com base nos artigos 136 a 139 da CRFB, que são as únicas hipóteses nas quais se flexibiliza esse direito.
O que comumente se intitula como toque de recolher se refere às circunstâncias em que as pessoas, obrigatoriamente, ficam reclusas em suas residências durante determinado período. Utilizar-se de tal elemento em situações não previstas na Constituição contraria a garantia fundamental da liberdade de ir e vir.
No contexto da pandemia, percebe-se uma multiplicidade de Decretos, Leis e Atos Normativos produzidos de forma equivocada e muitas vezes irrefletida, no afã de se conter a propagação do vírus. Em que pese a seriedade da questão tratada, não se pode tomar uma medida tão gravosa, que é a de restringir um direito fundamental, sem que sejam configuradas as circunstâncias que a justificam, que seriam, no caso, a declaração de guerra, estado de sítio ou de defesa.
Neste sentido o Supremo Tribunal Federal, colegiado encarregado de ser o guardião da Constituição, ao julgar a Suspensão de Liminar nº 1.315/PR, entendeu que o toque de recolher decretado no município paranaense de Umuarama é inconstitucional. Na decisão, o relator Ministro Dias Toffoli ponderou que: “referidos decretos carecem de fundamentação técnica, não podendo a simples existência da pandemia que ora assola o mundo, servir de justificativa, para tanto”, determinando a suspensão da referida previsão.
O que é possível no contexto pandêmico é a restrição de uso de determinados espaços públicos, tomando por base fundamentos sanitários concretos. O contexto da COVID-19 não autoriza o desprezo às diretrizes formais e materiais inerentes aos atos jurídicos e legislativos praticados. Além da patente inconstitucionalidade, decorrente da inobservância dos parâmetros da Carta Magna, a restrição a liberdade de ir e vir não encontra previsão na Lei n. 13.979/2020, que dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência decorrente do coronavírus.
Por todo exposto, a ANAJURE entende como equivocada a restrição à liberdade e ir e vir constante nos Decretos emanados pelo Governo da Bahia, considerando a inobservância ao compêndio normativo de maior força no ordenamento jurídico brasileiro, a Constituição Federal, de modo que tais atos devem ser revogados. Oficiaremos as autoridades estaduais sobre a matéria.