CASO 29 – Ceará – Liberdade Religiosa

O que aconteceu: o Estado do Ceará publicou protocolos para a retomada das atividades com parâmetros distintos para as atividades religiosas.

Onde: Ceará.

Quando: 27 de junho de 2020.

Documentos:

Decreto n. 33.637, de 27 de junho de 2020, Decreto n. 33.645, de 03 de julho de 2020, Protocolo Setorial 12 – Shopping CentersProtocolo Setorial 14 – Atividades Religiosas.

Parecer da ANAJURE: O Decreto Estadual n. 33.637, de 27 de junho de 2020, do Ceará, estabeleceu no art. 4º, inciso III, o início da Fase 2 para a realização de algumas atividades no Município de Fortaleza/CE. O Decreto Estadual n. 33.645, de 03 de julho de 2020, por sua vez, permitiu o avanço da capital cearense para a Fase III e dos Municípios integrantes da Região de Saúde de Fortaleza para a Fase 2. Com a flexibilização, algumas atividades, antes proibidas, foram retomadas, como a alimentação fora do lar e as atividades religiosas. As condições para cada setor estão compiladas em protocolos, conforme discorreremos a seguir.

O Protocolo Setorial 12 – Shopping Centers, dispôs que os municípios que estejam na Fase 2, poderão liberar o funcionamento de praça de alimentação, das 11h às 16h, limitando-se a capacidade de atendimento a 50% das mesas.

Nos termos do Protocolo Setorial 14 – Atividades Religiosas, os municípios autorizados a ingressarem na Fase 2 terão atividades religiosas liberadas com lotação máxima de 20% da capacidade do estabelecimento. Na Fase 3, 50%; e, por fim, 100%, na Fase 4.

Em relação ao distanciamento mínimo, o Protocolo 14 definiu a necessidade de afastamento de 2 metros de pessoa para pessoa, também fixando que a densidade de pessoas simultaneamente presentes no estabelecimento não pode exceder uma pessoa a cada 12 metros quadrados.

Algumas considerações são necessárias. Primeiramente, importa destacar a proteção constitucional à liberdade religiosa: “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias” (art. 5º, inciso VI, CRFB/88). Nosso ordenamento jurídico também consagra a laicidade estatal, vendando à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: “estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público” (art. 19, inciso I, CRFB/88).

Assim, como regra, não cabe ao Poder Público intervir na realização das cerimônias religiosas. O contexto da pandemia, no entanto, trouxe algumas limitações, em virtude da necessidade de preservação da saúde das pessoas. Essas restrições, contudo, não podem ser especificamente mais gravosas para as organizações religiosas. No caso dos protocolos definidos pelo Estado do Ceará, vemos que, na Fase 2, permite-se o preenchimento de 50% das mesas das praças de alimentação, enquanto a porcentagem de capacidade máxima autorizada para as igrejas é de apenas 20%. O critério diferenciado, sem uma justificativa que o fundamente, falha em conferir tratamento isonômico aos distintos segmentos sociais.

Ainda sobre o Protocolo Setorial 14, é relevante mencionar que os parâmetros de distanciamento estabelecidos são consideravelmente mais rígidos do que os recomendados pela Organização Mundial da Saúde. Enquanto o Estado do Ceará exige a ocupação de uma pessoa a cada 12 metros quadrados e a manutenção de 2 metros de uma pessoa para outra, a Organização Mundial da Saúde vem recomendando a distância mínima de 1 metro entre os fiéis presentes na cerimônia religiosa[1].

Outro ponto problemático do Protocolo, é o item 1.19, segundo o qual as igrejas devem permitir apenas a presença de um cantor e um instrumentista. Não há razão para que se adote tal ingerência sobre aspecto litúrgico, protegido constitucionalmente, quando é possível recomendar a manutenção de distanciamento mínimo entre os músicos, em vez de restringir a presença deles a um número fixo.

Pelo exposto, a ANAJURE recomendará ao Estado do Ceará, via ofício, que (1) adote critérios equânimes para a limitação da capacidade máxima dos templos religiosos, possibilitando a ocupação de até 50% de tais estabelecimentos, a partir da Fase 2 de seu Plano de Retomada, conforme tem permitido às praças de alimentação dos shoppings; (2) adeque o parâmetro de distanciamento mínimo nos templos religiosos à recomendação da Organização Mundial da Saúde, isto é, 1 metro entre os fiéis; (3) oriente a permanência de músicos durante as cerimônias religiosas com base no distanciamento mínimo a ser respeitado, e não a partir da limitação à presença de apenas um músico e um instrumentista, como consta no item 1.19, do Protocolo 14.


ATUALIZAÇÃO: Os termos do Protocolo Setorial n. 14 foram atualizados e, agora, consta a informação de que as igrejas podem permitir a presença de até 6 integrantes, entre cantores e instrumentalistas. Sobre isso, permanecemos recomendando que o critério seguido pelo Estado considere o distanciamento mínimo necessário, e não um número fixo preestabelecido.

Protocolo Setorial 14 atualizado: (aqui)

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[1] https://www.who.int/publications/i/item/practical-considerations-and-recommendations-for-religious-leaders-and-faith-based-communities-in-the-context-of-covid-19

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