O que aconteceu: o Município de Teresina/PI expediu o Decreto n. 19.886/2020 para a retomada econômica e flexibilização das medidas de suspensão das atividades econômicas, comerciais, de prestadores de serviços e sociais, sem qualquer previsão relativa às atividades religiosas.
Onde: Teresina, Piauí.
Quando: 3 de julho de 2020.
Documentos: Decreto n. 19.886, de 3 de julho de 2020, ANEXO I – Nota Técnica #05 de 19 de junho de 2020 – Reabertura econômica do Município de Teresina: o quê, quando e como, ANEXO II – Atividades – Plano de reabertura – Fase 1, Anexo III – Níveis de Restrição e Anexo IV – Protocolo Geral para reabertura econômica do município de Teresina.
Parecer da ANAJURE: O Decreto Municipal n. 19.886, de 3 de julho de 2020, de Teresina, estabeleceu normas e regras de funcionamento, controle, higiene, convívio e comportamento “para o retorno gradual, monitorado e responsável das atividades econômicas e sociais na Cidade de Teresina/PI”. Segundo dispôs o art. 3º, o retorno gradual será orientado pelas diretrizes do Índice Setorial para o Distanciamento Controlado (ISDC), de acordo com o Anexo I do Decreto – a Nota Técnica #05 de 19 de junho de 2020 – Reabertura econômica do Município de Teresina: o quê, quando e como.
O plano de retorno gradual é composto por 04 fases de reabertura denominadas 1, 2, 3 e 4 (art. 4º do Decreto), nas quais estão distribuídas a retomada de atividades não essenciais. Para a retomada do funcionamento de estabelecimentos, previu-se diferentes níveis de restrição (art. 6º) no Anexo III do Decreto e foi elaborado um Protocolo Geral de Recomendações Higienicossanitárias com enfoque ocupacional (Anexo IV).
A Nota Técnica #05 trouxe detalhadíssima explicação acerca do modelo de reabertura gradual dos setores econômicos de Teresina, considerando seus respectivos índices de segurança e a importância econômica dos setores de atividade. O documento é dividido em diversas seções: a metodologia com a descrição do modelo, o detalhamento dos dados, os ajustes e a descrição da estrutura de análise, e os resultados e discussões, tópico em que se apresentou o índice setorial de distanciamento controlado para Teresina (iThe), com um modelo simplificado dos estágios de abertura da economia do Município. Na conclusão, propôs-se um modelo de reabertura econômica baseado em quatro fases, dos maiores aos menores índices, os quais combinam risco de contaminação e importância dos setores na economia local.
Contudo, nas cinquenta e oito páginas da minuciosa nota técnica não há qualquer menção à retomada das atividades religiosas em Teresina, apesar de se ver, no gráfico que ilustra a reabertura gradual em 4 fases, na fl. 20, a seção relativa à arte, cultura e lazer dentre as atividades que devem ser retomadas por último, referentes aos setores que geram menos retorno econômico e têm menores níveis de segurança.
Na fl. 23 há uma tabela com as variáveis do modelo e o índice (IThe) de abertura controlada para 46 setores da economia municipal, ordenadas pelas fases 1 a 4, sob os tons de cinza do mais claro ao mais escuro. Nas últimas posições dessa tabela estão a atividade de educação privada, cujo retorno é previsto na Fase 3, bem como as atividades artísticas, criativas e de espetáculos, de alojamento e transporte aéreo, com o início de retomada previsto para a Fase 4. Entretanto, inexiste referência às atividades religiosas. O Apêndice E elencou alguns setores que foram desconsiderados pela simplificação do modelo, porém as atividades religiosas também não estão entre eles.
Portanto, algumas considerações são necessárias. Primeiramente, importa destacar a proteção constitucional à liberdade religiosa: “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias” (art. 5º, inciso VI, CRFB/88). Nosso ordenamento jurídico também consagra a laicidade estatal, vedando à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: “estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público” (art. 19, inciso I, CRFB/88).
Assim, como regra, não cabe ao Poder Público intervir na realização das cerimônias religiosas. O contexto da pandemia, no entanto, trouxe algumas limitações, em virtude da necessidade de preservação da saúde das pessoas. Essas restrições, contudo, não podem ser especificamente mais gravosas para as organizações religiosas. Portanto, no contexto atual de início da flexibilização em diferentes partes do país, cabe aos entes federativos não somente a organização do retorno de atividades comerciais e sociais em geral, mas também a orientação das organizações religiosas e de seus líderes, por questão de segurança jurídica e por respeito à liberdade religiosa.
O caso do Município de Teresina, todavia, é exatamente o oposto, visto que o Decreto n. 19.886, de 3 de julho de 2020, fundado na Nota Técnica #05, estabeleceu o modelo de reabertura, que prevê, ao longo de algumas semanas, o retorno de atividades de várias modalidades de estabelecimentos, mormente do comércio e da indústria, com potencial aglomeração de pessoas, e até mesmo de atividades artísticas, criativas e de espetáculos, sem apresentar qualquer cronograma de flexibilização para as cerimônias religiosas. Ou seja, enquanto para alguns setores há um cronograma de retomada e, até mesmo algum nível de flexibilização já em curso, para as organizações religiosas não há o mínimo de diretriz ou parâmetro. Configurada a omissão da Administração Pública na regulamentação do cronograma de retomada do funcionamento das organizações religiosas e de suas atividades, resta patente, portanto, o descaso com a liberdade religiosa e a ofensa à laicidade estatal.
Frise-se que não pretendemos demandar o retorno sob quaisquer termos, ignorando as medidas de prevenção adequadas ao combate da COVID-19. Nosso objetivo é obter, da parte das autoridades, o direcionamento adequado em relação às atividades religiosas, em nome da segurança jurídica.
Além da análise documental, buscamos esclarecimentos junto ao Município de Teresina sobre as orientações aplicáveis às igrejas nesta retomada. Em contato telefônico, o Gabinete do Prefeito não soube nos fornecer instruções acerca das organizações religiosas.
Pelo exposto, a ANAJURE formalizará o contato, por meio de encaminhamento de Ofício, e recomendará ao Município de Teresina que estabeleça diretrizes para a retomada do funcionamento das organizações religiosas e suas atividades, especialmente as cerimônias religiosas na modalidade presencial, conforme tem procedido em relação às demais atividades econômicas e sociais.